quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Um conto em homenagem ao Rio de Janeiro, em comemoração ao aniversário de 446 anos da cidade.


                            

Fantástica Cidade Maravilhosa

Hoje é uma noite quente de verão do ano de 2087. Resolvi escrever, porque estou tendo uma noite inquietante. São três horas da madrugada agora, mas preferi levantar e desabafar um pouco aqui. Fiquei revirando de um lado para o outro na cama, sendo sugado por meus pensamentos - lembranças da minha infância que vinham em flashes. Lembro-me nitidamente como se fosse ontem, mas já faz muito tempo, eu sei. Ontem foi meu aniversário, completei 83 anos. De presente, recebi da minha filha um embrulho curiosamente deteriorado pelo tempo e, por orientação dela, só pude desembalar quando cheguei em casa. Eu estava sozinho quando abri o pacote. Dentro havia a peça que faltava no quebra-cabeça da minha história. Quem mais poderia saber do meu segredo? Só eu e o meu falecido avô tínhamos conhecimento sobre o que havia acontecido naquele verão de 2011. Havia junto do presente uma carta datada de março daquele ano. Nela, vovô dizia que ele estava completando 83 anos e que, quando eu chegasse a essa mesma idade, se tivesse assim a mesma sorte, eu deveria receber o presente que ele naquela data embrulhava – a peça que me faltava. Ele usaria dos meios possíveis para que o pacote chegasse em minhas mãos na data programada, dali a 76 anos.

Por trás das minhas mãos enrugadas e da minha memória já um pouco gasta, há ainda uma alma de menino. Foi por isso que logo pude viajar no tempo, divagando em minha mente, com a mesma inocência das crianças. Ao olhar o presente que recebera depois de tanto tempo, as imagens daquele longínquo verão voltaram diante de mim. As coisas já estão bem diferentes por aqui hoje. Toda essa modernidade não era nem de longe sonhada naqueles anos. Mas a simplicidade em que vivíamos ainda me causa uma profunda nostalgia. Pensávamos que estávamos desfrutando de muitos avanços tecnológicos. As crianças brincavam horas a fio ao computador e na Internet, aproveitando muito pouco as delícias de viver numa cidade como o Rio de Janeiro. Mas ainda assim, nada se compara ao modo como os jovens vivem hoje. As ruas estão tão vazias... as relações se virtualizaram cada vez mais.

Era o começo de 2011 e nos dois primeiros meses do ano eu estava de férias. Eu completava sete anos e meu avô me levara para visitar o Cristo Redentor pela primeira vez. Aquela estátua que já fazia parte habitual da minha vida, nas idas e vindas pelas ruas do Rio, agora seria vista de pertinho. Ele disse que perante a estátua, que se faria enorme diante de mim, eu poderia fazer um pedido. Nunca havia ouvido falar em tal possibilidade, talvez ele mesmo tivesse inventado. O fato é que eu já estava ansioso, pois sabia exatamente o que queria e tinha certeza de que meu desejo seria realizado. Ao olhar para cima e ver o Cristo Redentor de braços abertos fechei os olhos e pedi com toda a força do mundo: - Quero ter super poderes! No fundo, o que eu mais queria era aproveitar o Rio de janeiro a janeiro. Eu era criança, então, é claro que os super poderes me ajudariam nessa tarefa!

Naquele mesmo dia eu já pude experimentar as forças sobrenaturais que me acompanharam durante todo aquele verão, até o Carnaval. De repente, eu me tornei invisível e só o meu avô conseguia me ver. Não havia problemas, ele sabia e entendia tudo o que estava acontecendo. Pelo que me contara, quando ele era criança, teria tido a mesma experiência. Quando terminei de fazer o meu pedido, abri os olhos e, de repente, por mágica, eu estava flutuando acima do Corcovado, indo em direção à estátua do Cristo. Quando cheguei junto do Cristo Redentor estiquei a mão e pude tocá-lo, ele não era mais feito de pedra, estava macio. Dei-lhe um forte abraço e ele me apertou com muita ternura, num estreito enlace, afagando-me intensamente. Era um abraço tão fofo, tão gostoso, senti-me tão protegido e abençoado! Saí dali com muita coragem e disposição para o meu dia de aventuras. A estátua do Cristo Redentor me pegou no colo e me levou, então, nos seus braços de volta até o Pão de Açúcar, deslizando sob os cabos do bondinho, como se fosse uma espécie de tirolesa.

Ao chegar do outro lado, o Redentor colocou-me sentado sobre o Pão de Açúcar. Olhei para o pão doce gigantesco debaixo de mim e pude tirar-lhe um pedacinho. Estava macio e o aroma era de pão fresquinho. O pão gigantesco estava quente, não sabia se por causa do sol escaldante ou se porque tinha acabado de sair do forno. Logo entendi que meus super poderes transformavam tudo o que estava ao meu redor na mais pura delícia que eu pudesse imaginar. Era uma fantástica cidade feita só pra mim! A Cidade Maravilhosa recriada a partir da minha própria imaginação! Mas eu não podia usufruir de tudo isso sozinho... Eu sentia uma imensa vontade de compartilhar com os outros dessa mesma alegria!

Foi então que tive uma idéia e fui voando até a praia do Arpoador. Já era fim de tarde e logo aconteceria ali o famoso espetáculo do pôr-do-sol. Esperei quietinho vendo o sol se esconder por detrás do Morro Dois Irmãos, deixando rastros no céu de uma beleza estonteante, misturando variados tons de laranja, rosa e amarelo. Enquanto a platéia de banhistas se distraía com a contemplação e alguns aplaudiam enternecidos, fui furtivamente até onde o sol se escondia, por trás dos Dois Irmãos e peguei aquele imenso balão de fogo emprestado pra mim. Os Dois Irmãos não se incomodaram, já haviam brincado bastante com o grande sol e logo iriam dormir. Vim trazendo o sol em minhas mãos, carregando-o por um fio como se fosse um grande balão de gás. Enorme, brilhante, o meu balão era o mais lindo do mundo!

Saí dali o mais depressa que pude e fui correndo pelas ruelas das comunidades mais carentes da minha cidade e pelos hospitais, iluminando a vida dos que mais necessitavam. Fui com o sol distribuindo um pouco de calor e luz por onde passava. A energia solar era estendida a todos pelo caminho. O grande balão dourado flutuava sobre mim, amarrado em minha mãzinha tão frágil. Parecia repleto de gás hélio, pois estava tão leve! Fui correndo, dançante, sapateando por todos os trajetos que me ocorriam, levando a luz brilhante aos acometidos pelo medo, pelo sofrimento, pela pobreza e pela injustiça. O balão dourado ia distribuindo e renovando a alegria e a esperança dos que por aqueles caminhos estavam. Quando terminei, fui devolver a grande esfera aos Dois Irmãos, que já haviam dormido e estavam descansados para um novo dia que viria pela frente. Tão simpáticos esses dois cariocas! Acabamos ficando amigos.

Gostei tanto da experiência que voltei lá muitas vezes para buscar o sol, e depois de cumprida a tarefa o devolvia, para que pudesse nascer um novo dia. Mas às vezes eu deixava o sol descansar. Nesses dias, eu esperava ficar bem de noitinha. E, então, era a lua que eu buscava. Nas noites de lua crescente ou minguante, eu escorregava em suas curvas. Enquanto eu brincava, conversávamos sobre tudo. Numa certa noite de lua cheia, ela me contou que também era criança e confessou que não entendia por que sendo ela também redonda e sabendo girar, não podia se divertir como uma bola! Naquela noite mesmo, fiquei tão comovido com o desejo enluarado que carreguei a lua de surpresa. Para que ninguém desse pela falta da lua no céu, pedi a uma amiga nuvem que ficasse bem posicionada, assim, pensariam que a lua estava encoberta. Fui quicando a lua pelo céu, desci até o Rio de Janeiro e a levei para o Maracanã. Lá no grande estádio brincamos até quase o amanhecer, quando tive de levá-la de volta para o seu lugar. Prometi que a visitaria ao anoitecer e a buscaria para brincar com outros meninos da minha idade.

Na noite seguinte, como prometido, eu levei a lua cheia para passear por diversos campos de futebol em comunidades e condomínios, praças e clubes da Cidade Maravilhosa. Eu chegava com a lua disfarçada de bola e a arremessava dentro dos campos e das quadras para os meninos que estavam jogando futebol. Logo eles se animavam com aquela bola prata brilhante, distinta, reluzente. Sentiam que havia algo de especial nela. E a lua se divertia tanto! Rolava por entre as pernas dos meninos e gargalhava porque sentia cócegas a cada pontapé. A lua vibrava a cada chute a gol e não sabia nunca para qual time torcer. Aqueles que chutaram aquela lua-bola-encantada levaram um pouco do seu brilho para a vida e são eles os nomes que fizeram grande sucesso no futebol carioca. Havia alguma espécie de feitiço na bola-lua, e ela fazia brilhar todo aquele que com ela fizesse um gol. Os grandes craques das décadas seguintes foram aqueles mesmos que brincaram com a bola brilhante das noites de lua cheia, sem saber que a bola era lua. E que a lua brincava, também se divertia, gostava de ser bola e retribuía a alegria.

Depois de uma noite dessas, voltando pra casa, avistei um barquinho, saindo da Marina da Glória. Lá fui eu passear um pouco de barco, sentir o vento soprar em meus cabelos. Invisível, eu entrava nos lugares e ia descobrir o que havia de mais gostoso para se fazer. Sentei-me perto da proa e fui navegando, os pensamentos iam e vinham, como as ondas do mar. Eu relaxando, aproveitando, já no amanhecer, o sol de verão no límpido céu azul. Olhava o imenso mar, passeava com os olhos pelas silhuetas das montanhas abraçando a cidade do Rio. Embevecido por ser morador daquele lugar de sonho, seguia eu, cidadãozinho em formação, amando a minha casa, a minha morada, a minha Cidade Maravilhosa. Tornava-me um carioca apaixonado, dia após dia, olhando deslumbrado como um turista que vê pela primeira vez a majestade imponente da beleza natural que ali reside. Navegando pelas margens da cidade, eu sentia a magia que é ver, visitar ou viver no Rio. Eu estava absorto em meus pensamentos, quando, de súbito, começou a cair uma chuva fina, mas ainda fazia sol. Gotas cristalinas se juntavam ao mar. Formou-se um gigantesco arco-íris que cobria toda a extensão da Marina da Glória até a praia de Botafogo, passando pelo Flamengo.

Abandonei a embarcação e fui voando até o princípio do arco-íris. Subi alegremente pelas faixas coloridas e fui escorregando até o outro lado. Eu subia e descia. Ia e vinha. Escorregando e passeando pelas cintas de luz. Escorregava até o mar e dava um mergulho. Depois voltava para o arco-íris e corria até o topo. Descia escorregando de ponta-cabeça e depois retornava para brincar mais um pouco. Fiz isso inúmeras vezes até que a chuva foi passando e o arco íris se desmanchou. Então, já exausto, fui para casa, como muitas outras vezes em que, cansado depois de um dia tão colossal, ia dormir. Mas, às vezes, extasiado com tantas aventuras extraordinárias, não conseguia cair no sono e passava a noite em claro, já inventando moda para o dia seguinte.

Aproximava-se o fim das férias e logo chegou o Carnaval. O Sambódromo estava repleto. Pessoas de todos os tipos, todas as idades, todas as classes. Todas se misturavam, sambavam e cantavam num só ritmo. A magia era tanta que se fundiu à magia que eu carregava desde o início do verão. Aquele feitiço foi cedendo ao ritmo da bateria das escolas que foram chegando e sacudindo tudo em volta. Não que a energia estivesse sendo suprimida, mas espalhada, distribuída, por tudo e por todos, para que um pouco dela fosse fazer parte de cada um. Conforme as escolas de samba chegavam para desfilar e também conforme os blocos de rua iam passando, a energia dos super poderes ia sendo espalhada por toda a população, distribuída através da música, viajando por meio dos sons a todos os cariocas - de nascença ou de coração - que estavam espalhados por todo o mundo.

Hoje, nesta noite quente de verão do ano de 2087, fiquei horas passeando por essas lembranças, antes que tivesse coragem de abrir o tão misterioso pacote. Mas, finalmente, minhas mãos envelhecidas desfazem o embrulho que recebi de presente. Quando eu o abro, uma luz magnífica sai de dentro dele e invade todo o ambiente, resplandecendo, atravessando as janelas, de dentro para fora. Tapo com a mão um pouco da claridade e posso ver que, na carta que acompanha o presente, está escrito algo magnífico: posso fazer um novo pedido. Com o mesmo coração infantil de sempre, acreditei com toda a minha força de velho menino. Fechei os olhos e desejei receber de novo super poderes por mais um verão e carregar comigo o balão-sol e a bola-lua para sempre. O Pão de Açúcar que me espere... não vejo a hora de devorá-lo mais uma vez!

Autoria:

Ilustração: Chico Azevedo

Todos os direitos autorais reservados.


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Alívio

domingo, 16 de janeiro de 2011

Nós


O problema não somos nós. O problema são os nós.

Autora: Gizele Toledo de Oliveira (direitos autorais reservados).

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Paz interior



Você não tem obrigação de ser feliz. Seja feliz só se você quiser.

E basta você querer, isso não é maravilhoso?

Fui convidada por uma amiga a participar de um kirtan na praia do Arpoador, durante o amanhecer. Fui mais para viver uma nova experiência. Participar para saber se gosto. Não ir por preguiça de acordar cedo não faz muito o meu estilo. Gosto de aproveitar o dia, amo a natureza, vejo beleza em cada fiapo de grama arrepiada, em cada pássaro a planar, em cada gota da extensa onda do mar. Então, lá fui eu de coração aberto.

Agradecer a dádiva de estar vivo para mim é isto. É aproveitar a vida ao máximo, em cada um de seus detalhes. E essa experiência de estar ao lado de pessoas que também amam viver e sentem a felicidade de ter mais um dia de presente foi maravilhosa.

Acordei às 5h da madrugada, aprontei-me e atravessamos a ponte, rumo à praia inspiradora. Ao chegar, nos dirigimos ao topo de um pequeno monte. Depois de tirar algumas fotos reverenciando a paisagem, sentamo-nos em círculo. E eu lá estava para ver, ouvir, sentir o que viria. Só sabia que um grupo praticante de yôga e hinduísmo recitaria alguns mantras.

O namorado da minha amiga, músico e guru, acompanhado de outro músico e professor de yôga, pegaram seus instrumentos e começaram os cânticos, enquanto o dia amanhecia. Em princípio, estranhei o primeiro mantra. Embora estivesse achando relaxante e delicioso, as palavras me soavam emboladas, estranhas. Todos começaram a cantar juntos naquela língua estrangeira e não me senti em condições de cantar junto, embora eu também goste muito de cantar. No segundo mantra, comecei a me deixar levar. Fechei os olhos e fui levada para além de mim mesma. Comecei a cantar junto aquela letra que se repetia inúmeras vezes e era agora mais fácil pronunciar aquelas palavras que ecoavam.

Antes de cada mantra que se iniciava, o mestre explicava do que se tratava, qual seria o sentido devocional daquela expressão. Cantávamos juntos, fechávamos os olhos e mergulhávamos em nós mesmos. Eu sentia a brisa passando suavemente pela minha pele, ouvia o som do mar, as ondas que iam e vinham, o gorjear dos pássaros, os doces acordes daqueles dois violões, as vozes que cantavam suaves como carícias aos meus ouvidos. Parecia um coral treinado, como se antes houvesse ensaio. Mas onde estava o maestro? Uma luz divina se fazia ali presente. O maestro era Deus. Em qualquer das crenças de quem estivesse ali naquele momento. Não importa. Algo maior que nós era sentido. Para tudo fazer sentido.

A sensação da alegria de viver se intensificava para mim. Uma felicidade sublime tomava conta do meu ser. Às vezes, abria os olhos e olhava à minha volta para admirar a beleza daquela paisagem encantadora. Do meu lado direito, o sol que chegava, refletindo no mar; do meu lado esquerdo, os surfistas que remavam à espera da próxima onda, na mesma sintonia que nós, meditando eles também a sua maneira. Fechava os olhos novamente e minha mente navegava às profundezas do meu ser. E tive algumas revelações, algumas das quais aqui compartilho com meu leitor.

Em determinado momento, minha amiga me disse: “- Gi, este mantra que vamos recitar agora é de devoção à uma deidade que destrói tudo que o for ruim de sua vida. Pense no que houver de mal em sua vida que você queira que seja destruído.” Então, o meu primeiro pensamento foi: “Mas eu não tenho nada de ruim em minha vida”. Entretanto, eu nada disse. Parei e pensei, quis refletir melhor sobre o assunto: “Que estranho. Será que não há mesmo nada de ruim na minha vida? Isso não seria presunçoso?” Fiquei pensativa por alguns momentos, até que compreendi que tudo o que havia de ruim eu havia deixado para trás. Estava agora no passado. E como eu só tenho o momento presente, vejo que, graças a uma dádiva divina, o meu presente é repleto de paz e amor. E, principalmente, cheguei a uma profunda compreensão sobre o meu passado: a percepção de que eu não vivi nenhum sofrimento sem propósito. Toda a minha dor teve a sua razão de ser. Tudo teve um motivo e um porquê. E tudo tem o seu tempo e a sua hora.

Sou muito grata a Deus pela benção que é conseguir aprender com cada dor. Há aqueles que se entregam à dor. Há aqueles que alimentam a mágoa ou o rancor. Há aqueles que se julgam infelizes por terem passado por grandes sofrimentos. E há aqueles que vivem o sofrimento a seu tempo, acreditam e lutam por sua superação e, uma vez tendo superado, enxergam nele a oportunidade que tiveram de crescer. Estes vêem a mudança interior ocorrida. Buscar o crescimento espiritual, tornar-se uma pessoa melhor, para si e para o mundo, é sempre o ideal de quem pensa assim.

Eu não mudaria uma única página da minha linda história, porque ela me trouxe até aqui, desta forma como estou hoje - plena e tranquila. Lembro-me que em Saint-Exupéry, a flor disse ao Pequeno Príncipe: “- É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas”. Assim é a flor: linda e delicada, precisa suportar as lagartas caminhando pelo seu “corpo” - suas pétalas -, retirando pedacinhos de si, que depois serão recompostos, mas não sem cicatrizes. Vem o inseto daninho e faz mal à florzinha. Embora de aparência frágil e delicada, a flor precisa suportar a má fase ou não terá a oportunidade de ver a chegada das borboletas, que coloridas e dançantes, pousarão suavemente sobre suas pétalas reconstruídas. Farão cócegas em seu caule, colherão o seu pólen, darão sentido e continuidade à sua existência. A vida terrena tem seu eterno ciclo de dor e alegria, é preciso aceitá-lo e compreendê-lo. A flor, com a sabedoria da natureza, resistirá às larvas e saudará a chegada das borboletas, compreendendo o ciclo da vida e celebrando a alegria de viver. Se desprovida de tal sabedoria, a flor sucumbe aos ataques das larvas, seja murchando e morrendo em definitivo, seja se fechando para a alegria da vida, sequer percebendo quando chegam as borboletas, ou, até, ao notar sua chegada, sequer a aprecia. Vendo o bater de asas coloridas ritmando pelos ares, não consegue apreciar a sua beleza nem festejar, pois não se regozija. Triste sim a sina desta flor. Não pelo que passou, mas porque não soube suportar e superar. Assim também somos nós. A felicidade depende, basicamente, da forma como encaramos a existência.

Ainda em meditação, comecei a fazer um passeio pelas minhas frustrações passadas. Pensei nas pessoas que me causaram algum mal, lembrei das dores sentidas, pensei nas situações que me afligiram, lembrei-me das vezes em que me senti fraca. E pedi que aquela Deusa destruísse não as coisas ruins existentes (porque elas não existem mais, a não ser na mente), mas que destruísse qualquer sentimento ruim que possa acompanhar tais lembranças. Reviver um passado nefasto é como tomar veneno. Que essas lembranças não possam ser “revividas” em minha mente, mas que sejam somente um sopro na memória, um vento que não traz cheiro, um relembrar sem reviver, um sentir sem ressentir, um lembrar sem desejo de esquecer, uma lembrança que traga consigo a compreensão de que nada nesta vida é por acaso. Cada passo foi necessário e carregado de propósito, trazendo-me até aqui, a este momento de meditação e encontro comigo mesma. Eu me amo mais hoje do que ontem. E amor-próprio é tudo! É amando a mim mesma que eu amo o Deus que habita em mim. E, assim, posso levar este amor aos outros. Que Deus permita que eu possa transbordar de amor o meu espírito. “Que todo aquele que se aproximar de mim sinta a Sua presença, Deus.” Estou no caminhar... um dia, neste tempo ou em outro qualquer da existência da minha alma, em vida terrena ou extraterrena, eu chegarei lá, alcançarei a paz suprema que nada pode abalar, se Deus quiser.

Que venham larvas e borboletas, que venha a chuva, o outono, o inverno, a primavera e o verão. Que eu possa me sentir cada vez mais forte a cada acometimento e re-desabrochar a cada amanhecer. Porque é nos momentos de fraqueza que a força interior pode emergir em seu maior vigor. Se hoje não há nada acontecendo que seja tão ruim e que eu queira destruir, nada sei a respeito do futuro. Então, o que mais posso querer é que eu saiba lidar com paz, serenidade e sabedoria com as surpresas do caminho e que eu saiba esperar ou agir, conforme a necessidade, administrando bem a ansiedade, libertando-me de qualquer angústia. E que eu possa reconhecer a primavera e aproveitá-la, todas as vezes em que ela chegar em minha vida. E, se eu me perder, que eu saiba me encontrar. O grande segredo para isso (descobri por mim mesma) é um só, simples e clichê, mas verdadeiro: que eu me lembre sempre que não há percursos lá fora que possam me levar à felicidade, o caminho está aqui dentro de mim.

“Aquele que não consegue suportar o que é mau não vive para saber o que é bom." (Provérbio judeu)

Namastê.

Autora: Gizele Toledo de Oliveira (direitos autorais reservados).
Para ler mais sobre este assunto, acesse o site: MUSICA INDIANA BRASIL

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A beleza das rugas

Caiu na rede, é plágio!

Poesia

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Todo tesouro fica sempre muito bem guardado. Por isso, pode acreditar: o que é de verdadeiro valor no homem não está fora, mas dentro dele. A beleza física é aquilo que é colocado diante de seus olhos para que você não veja a verdadeira beleza que habita em alguns corações. A forma do corpo é facilmente delineável, enquanto a alma humana é um mistério: preserva profundos segredos, mas é transparente como água limpa para aqueles que sabem olhá-la com amor.

Autora: Gizele Toledo de Oliveira (direitos autorais reservados).

sábado, 27 de novembro de 2010

Idéias



Folhas em branco
que no vazio comandam
a escrita.
Folhas preenchidas
que dão vazão
ao sentido da vida.

Autora: Gizele Toledo de Oliveira (direitos autorais reservados).

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Alívio


Algumas lições sábias a gente escuta por aí, mas elas só são de fato assimiladas quando estamos diante de uma situação específica, vivenciando, experimentando. Enquanto corro, provo reais desafios e fico pensando na vida. Há certas coisas que a corrida me ensinou:

- a olhar sempre para frente;
- a manter uma postura correta;
- que eu ainda posso ir muito longe mesmo depois de já me sentir exausta;
- que eu posso sempre me superar;
- que o tempo é meu amigo e a distância é um desafio suplantável;
- que devo me impor objetivos reais, alcançáveis;
- mas nada como um pouco de ousadia;
- que não se deve ter pressa;
- que devagar, mas com constância e firmeza de propósito, eu vou longe;
- a mente é quem manda, o corpo a obedece;
- sou capaz quando penso que sou capaz;
- bem-estar é uma questão de consciência;
- não preciso querer sempre mais, posso estabelecer meus próprios limites;
- ter alguma disciplina é fundamental;
- há de se ter flexibilidade para lidar com percalços do caminho;
- perto do fim, ao me sentir esgotada, posso pensar que estou só começando, e o ânimo se renova, porque eu posso recriar a realidade, inventá-la;
- o sacrifício vale a pena, porque a superação e o sabor da conquista se sobrepõem a todo o esforço;
- é o amor-próprio que me move e que me impulsiona a ir além;
- ao terminar a corrida, num mix de suor, calor e alegria, minha luz interior é a minha melhor companhia;
- nada como uma água de côco como prêmio – a felicidade é simples assim.

Autora: Gizele Toledo de Oliveira (direitos autorais reservados).


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Impressões de Paris


Cheguei a Paris. E naquele primeiro instante, vi a torre crescendo acima de meus olhos. Eu comecei a chorar. Era a torre. Mas também era mais. Era a realização de um sonho. Era alcançar um objetivo. Era conseguir. Eu posso. Eu consigo. Eu estava ali, real e de verdade, dentro do meu devaneio. A sensação foi sublime. E sublime era também a cidade, o ar, o clima, a torre. Aquela gigante linda, majestosa, imponente, brilhava, reluzia, cintilava. Pisca-piscas flamejantes dançavam ao som da música que só eu ouvia. Foi um momento mágico. Saí correndo do automóvel e fui me encontrar com ela. Era para mim que ela brilhava. E eu correspondia. Liguei pros meus pais no mesmo minuto, pra dividir com eles aquele momento, que também era deles. Deslumbrada, eu olhava a Torre Eiffel e queria comê-la, devorá-la, abraçá-la, beijá-la, queria tê-la, levá-la, queria sê-la. Arranquei-a do solo e a vim carregando pelo caminho. O grande monstro de dez mil toneladas nada pesou em minha alma. Guardo-a agora em meu quarto. E a vejo toda vez que eu quero. Paris vive em mim.

Autora: Gizele Toledo de Oliveira (direitos autorais reservados).