segunda-feira, 9 de julho de 2012

Cena Carioca



Estava hoje eu de manhã bem cedo no ônibus, digo, fisicamente eu estava ali, mas minha mente devaneava. Estava completamente absorvida pelo livro que eu lia, sobre a história de uma somaliana vivendo sob o islamismo. Quando, de repente, o motorista, de óculos escuros, levantou a voz e começou a falar com os passageiros: - “Senhores passageiros, desculpem incomodar o silêncio da sua viagem, mas o motorista que vos fala, esse cara de 1,60 m aqui...”

Com a voz do motorista rompendo o silêncio, levei um susto. De súbito, interrompi minha leitura, que tratava do regime imposto pelo fundamentalismo muçulmano. Voltei minha concentração para o momento presente: eu estava no Centro do Rio de Janeiro. Retirei os olhos do livro e notei que o motorista nos falava mirando-nos pelo retrovisor.

Meu coração deu um pulo, pensei: “- Oh, meu Deus! Será que o motorista vai dizer que é um assalto? Pode ser um terrorista? Será que vai se levantar atirando em todo mundo? O que está acontecendo?” Nunca vi um motorista se dirigir aos passageiros como quem fala a uma platéia... Interrogações se passavam em flashes em minha cabeça. E ele continuou: - “...o motorista que vos fala, esse cara de 1,60 m aqui é... Candidato a vereador! Se vocês não tiverem em quem votar, se vocês forem jogar o voto fora, lembrem-se de mim, votem em mim.” Assim, anunciou seu nome, número e referência parental. E prosseguiu com a propaganda: “Eu ganho muito pouco, meu salário nunca passou de dois mil e poucos reais. Lembrem-se de mim, votem em mim: motorista, cobrador e camelô.” Espere aí, camelô? E encerrou o discurso: “Desculpem atrapalhar o silêncio da sua viagem. Obrigado pela atenção.”

Relaxei, respirando aliviada... Então, tive um acesso de risos, assim como a maior parte dos passageiros. Depois, reparei que ao lado do motorista havia uma bandeja com saquinhos de amendoins que ele vendia, como “o passatempo da sua viagem”. Era impossível conter as risadas. Ria de mim mesma, pelo alívio, afinal, meu ônibus não estava sendo sequestrado. Ria pela minha situação tragicômica de ser pega de surpresa por um discurso engraçado (mas que pretendia ser sério) enquanto, em meu inconsciente, estava o tempo todo tensa, com medo da violência que aflige Rio e Niterói, às vezes das formas mais improváveis. Ria, porque o irreverente motorista carioca simplesmente saltou aos meus olhos enquanto eu lia sobre aflições das guerras civis do Leste da África. Eu ria, enfim, por toda a atuação inusitada do motorista-camelô-candidato-a-vereador.

Pensei alto: - “Ufa! Ainda bem que não era um assalto.” E a senhorinha ao meu lado retrucou: -“Que nada, minha filha, ele quer entrar para a política... Agora é que o assalto vai começar...” Desci do ônibus e fui trabalhar, rindo... Porque é melhor rir do que chorar.

Autora: Gizele Toledo de Oliveira (direitos autorais reservados).