quarta-feira, 10 de abril de 2013

Sobre nascer todos os dias...


Este texto escrevi em setembro de 2012, por ocasião do show da Marisa Monte. Hoje quero compartilhar com vocês... Lá vai:


Hoje é dia de show da Marisa Monte.
E o que a felicidade tem a ver com isso? Tudo.

“E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...”
Alberto Caeiro

Meu pai me perguntou: - Como que um simples show, uma coisa tão corriqueira, pode te deixar tão empolgada?
Minha resposta imediata: - Porque vivo a vida intensamente. Nada para mim é banal.

E como ele teve interesse em ouvir, continuei: - A cama quentinha, a água morna do chuveiro, a comida saborosa, o mergulho no mar, o amanhecer, a lua cheia, o ipê daqui da nossa rua quando floresce, o passarinho que pousa nas grades da nossa janela... Tudo, a cada nova vez, é vivido como se fosse uma nova experiência, porque, se de fato fosse, seria, então, apreciado.  Triste é perder essa capacidade de aproveitar momentos bons e simples, e passar por eles sem nada sentir, como se fossem só etapas rotineiras de uma vida ordinária. Para quem passa a prestar atenção nos mínimos prazeres, certos acontecimentos cotidianos passam de banais a sensacionais. E a diferença entre viver de um modo ou de outro é tão somente o ponto de vista.

Dormi bem essa noite. Em algum lugar da mente, durante os sonhos, devo ter encontrado algumas respostas mais. Porque acordei com vontade súbita de escrever este texto e, quem sabe, compartilhar um pouco estas ideias que há muito me acompanham. Não raro alguém me pergunta:  - Seu olhar está brilhando, seu rosto radiante... está apaixonada? Está feliz? Minha resposta: - Sou uma eterna apaixonada pela vida e, eventualmente, por outrem ou por mim. Por que não? Às vezes, porém, terá sido apenas uma TPM que se findou, conferindo novo rubor à face e alívio ao espírito. Oh, mulher! Um ser movido a hormônios. Não se pode deixá-los fora da história sob o risco de torná-la incompleta.

Vivendo cada vão momento da vida como se único fosse, é mais fácil se permitir a felicidade. Os sentimentos de paz, plenitude, abastança inundam a alma e fica difícil encontrar-se triste. Mas, para se viver com verdade, os sentimentos precisam ser genuínos... Não há de se falar numa alegria falsa, daquela que se exibe sorridente nas ruas e se derrama em lágrimas no travesseiro.  Assim, se a tristeza vem, deixo-a vir. Mas, vivendo esse hábito de prestar atenção em cada pequeno detalhe da existência, a amargura não costuma encontrar lugar. Não encontrando o cenário perfeito para se instalar, a Tristeza, essa senhora indiscreta e bisbilhoteira, não se esparrama no sofá da sala, não traz as malas e avisa que vai ficar um fim de semana e acaba ficando um mês, um ano, como um parente distante numa visita inesperada. Sim, a tristeza vem, não porque lhe é permitido vir. Essa dona é enxerida e viria de qualquer maneira. Mas não, a tristeza não vem para ficar. Ela é simples passageira e, mal esquenta lugar, logo se despede, havendo outros corações mais aflitos onde ela possa se sentir mais à vontade para se instalar.

A Felicidade sim, essa gosta do aconchego do meu coração, da cama fofa que preparei para ela, do sofá que forrei com seda, da mesa posta com comida a perfumar o salão. Ah, a minha querida Felicidade é uma moça gentil e doce, que chega de mansinho, diz que não vai se demorar . Mas, sendo tão agradável a sua presença, por insistência minha, vai ficando, vai ficando... até que entra na rotina da casa, e, como a maioria que não é chegada a mudanças, aqui permanece como se a casa fosse sua. É fácil para essa moça se acostumar com o ambiente: já encontrou a cama feita, o jardim tratado, a louça lavada, a roupa passada, não há muito com o que se preocupar. E ela vai ficando.

Se, eventualmente, a Tristeza vem arrebatadora, enciumada invadindo meu lar, derrubando porta abaixo e criando o maior reboliço, não há o que fazer contra toda essa violência. O melhor é esperar. Se os acontecimentos vêm muito dolorosos e marcantes, se o desgosto é profundo, e as soluções parecem pequenas gotículas num nebuloso temporal, deixo que essa infelicidade intensa venha e desarrume tudo, mas sem perder de vista que, nesse mundo de altos e baixos, todo turbilhão tem seu fim, tudo isso vai passar.

Aprendi que a tristeza não é um monstro do qual tenho que me proteger ou um mal do qual tenho que me afastar. Porque, humanos que somos, por mais que levantemos barreiras, estaremos sempre sujeitos ao aparecimento desse redemoinho. Entretanto, é impressionante o poder do controle emocional, quando se descobrem ferramentas próprias para se lidar com a mente. Em primeiro lugar, é importante saber que é possível adquirir certo controle sobre os nossos pensamentos e que, pensamentos geram sentimentos, bem como sentimentos geram sensações. Negar as amarguras seria viver na superficialidade. Não é essa a ideia. Assim, há um modo de vivenciar as experiências negativas que aprendi com o tempo: deixo a tristeza vir, mas a experimento como se eu fosse um vidro transparente, através do qual passam os raios, e não uma superfície espelhada ou opaca na qual os raios se refletem ou se retêm. Num estado de elaboração mental e buscando a consciência sobre meus pensamentos e sentimentos, vou deixando as sensações fluírem. Tristeza, afinal, não é um ser sólido; é tão somente um sentimento, dentre tantos outros. E, sendo apenas mais um sentimento, permito-me senti-lo, deixo-o seguir seu curso, tomo consciência de que esse sentimento tem seu ciclo: vem, atravessa-me e passa. Deixo-o seguir seu fluxo e provocar as mudanças necessárias.

A partir do momento em que não se remói a tristeza, mas deixa-se apenas que ela flua e siga seu curso, em poucos dias a tristeza parte e me deixa só. É o momento de me encontrar comigo mesma e descobrir que transformações ela provocou em mim. Estou renovada. É hora de tomar um banho mais lento, sentindo com intensidade a água morna se derramando sobre mim. É hora de saborear um brigadeiro como se fosse o último. Ou de caminhar na praia como se nunca antes tivesse visto aquela paisagem. É hora do deslumbramento. É o momento de acordar para a “eterna novidade do mundo”, como no poema de Alberto Caeiro. O mundo parece, então, que adquiriu nova cor, já que durante a reclusão e a tristeza tudo variava em tons lilases.

Há quem diga que ninguém é feliz ou infeliz. Mas a felicidade pode ser um aprendizado. Para quem sabe ser feliz, cada novo despertar é uma alegria por si só. Não estar se sentindo triste também já é uma alegria. Já notou? Assim, é fácil entusiasmar-se com um “simples” botão de flor, um “simples” café da manhã, um “simples” edredom, um “simples” filme no cinema, uma “simples” peça de teatro, um “simples” livro, uma “simples” visita, um “simples” romance, um “simples” papo de amigo, um “simples” carinho, um “simples” trabalho, um “simples” convite, uma “simples” viagem, um “simples” show. Se você parar para reparar no detalhe, nada é assim tão simples. É tudo muito, muito complexo.

A banalidade está no olhar de quem olha para o espetáculo da vida com indiferença ou soberba. O extraordinário está nos olhos de quem se permite ver. Se você não tem reparado bem, experimente olhar para pequenos milagres com lente de aumento. Um mosquito pode parecer um monstro intergaláctico. O desabrochar de uma flor pode parecer o início de uma nova geração. E, lembre-se, você tem o poder de escolha: se uma abelhinha qualquer aparecer diante do seu rosto, você pode simplesmente afugentá-la ou, quem sabe, arriscar-se a segui-la e descobrir onde está o mel.

Autora: Gizele Toledo de Oliveira (texto registrado/direitos autorais reservados).

3 comentários:

  1. Ana Maria Miranda de Andrade Alexandre29 de maio de 2013 às 22:22

    Olha ... Eu precisava de um alento ... e descobri na Autora o talento e a sabedoria de encaixar as letras transformando-as em palavras de encorajamento e verdades para os corações.
    Adorei e com certeza já fez a diferença para os meus dias ....
    Um abraço,

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    Respostas
    1. Obrigada pela mensagem, Ana Maria. Fico feliz que o texto a tenha sensibilizado. Penso que se fizer diferença para uma pessoa, já terá valido a pena . :)

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  2. Um texto prefeito para o ano novo. Creio que eu seja assim. Não sei se é exatamente felicidade, talvez seja paz de espírito. Felicidade e tristeza são coisas passageiras, dependem mais das circunstâncias. E é claro, em situações normais, dependem da forma como encaramos o mundo.

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