Depois de 1 mês sem Facebook, estou de volta! Fiz uma imersão socioantropológica na vida dos “sem face”. E confirmei o que já desconfiava: quem não tem “face” é visto como um ser estranho, praticamente um E.T. Se você tinha e o excluiu, pior ainda: atitude extremamente suspeita.
Os primeiros dias são decepcionantes. Você recebe muitas curtidas e acha que sua página do “face” está abafando. Se você sair, vão sentir sua falta. Você sai e... Silêeeencio. Nem uma reclamadinha. Sai um, entram oito, baby. Ninguém nota. I´m sorry. Além da crise de abstinência você ainda tem que lidar com a baixa popularidade. É uma fase nebulosa.
Passa um tempinho e o negócio vai ficando mais animado. Algumas pessoas começam a lhe escrever, por e-mail ou Whats App (pois é impossível excluir-se completamente do ciberespaço), e começam a perguntar o porquê de você ter saído do Facebook. Afirmam que sentem sua falta. Sentem falta dos seus posts, claro, porque você ainda não se desintegrou e poderá ser encontrada em casa, no trabalho, na academia... É bom que se saiba. Vão-se os teclados digitais, mas ficam os dedos. Sim, vocês ainda podem combinar um barzinho para papearem ao vivo, sem essa mania de vida virtual sob as cobertas e digitações ultrarrápidas, com frases de suaves a secas, de doces a apimentadas. Largue o celular, vá desfrutar de um bom vinho vivendo um romance ou tomar uma cerveja bem gelada com os amigos. Em caso de solidão, abra um chocolate. Nada como chocolates de verdade, daqueles dos quais ainda não existem versões para iPad.
E a vida real é suficientemente realista? Acho que não. Começou a segunda fase da minha ausência facebookeana. Tiveram início as perguntas mais bizarras: – Por que você saiu do “face”? – Está fugindo de algum louco? – Está escondendo alguma coisa? E, para as mentes mais maldosas e imaginativas: – Está vivendo vida dupla? Tripla? – Estava viciada? Opa! Esta última pergunta procede: vício. O ser-humano é um ser social. E, como tal, tem essa necessidade constante de interagir, conversar, ver, ser visto, analisar, comentar e, nos últimos anos, curtir. Porque, antes da era Facebook, curtíamos, mas não falávamos sobre isso com tanta naturalidade. Uma palavrinha tão fora de moda que causou estranheza aos primeiros usuários do site de relacionamentos. Hoje é difícil imaginar nosso vocabulário sem essa gíria tão trivial.
E diante de tantas perguntas, você percebe que as pessoas começam a olhar pra você como uma alienígena. – Fulana não tem “face”. – Fulana excluiu o “face”. Você vira assunto da roda e lhe incentivam a retornar: – Fulana, volte pro face. E lhe dão conselhos: – Isso é uma postura radical, não faz bem. – Olhe, isso vai lhe fazer mal. “Face” é o remedinho dos nossos tempos. Parar de usar o “face” parece ter se tornado tão bizarro, antiquado, sem sentido quanto teria sido excluir sua linha de telefone fixo nos anos 80. Já imaginou? Todos os seus amigos perderiam um ponto crucial do contato com você. E teriam que voltar a lhe escrever cartas. Ah, as cartas... Onde foi que se perderam? Felizes daqueles que ainda se permitem dar umas rabiscadas. Sem querer ser nostálgica, mas já sendo, assusta-me estar informada de que nos próximos anos a escrita à mão cairá em desuso. Mas isso não vem ao caso. Voltemos às letras digitais...
Perguntas esclarecidas, amigas compreensivas... Segue a terceira fase da vida fora do “face”. É quando você começa a ouvir conversas daqui e dali e se dá conta de que perdeu alguma coisa. Você começa a pegar o bonde andando, porque não está sabendo das últimas notícias da vida alheia. Fulana engravidou, Beltrano se separou, Sicrano se formou, V foi à China, W largou o trabalho, X fez as unhas, Y dormiu mal essa noite, Z foi ao banheiro. De alguns passos da vida prosaica, você se poupa. De algumas novidades você foi a última a saber, mas ainda assim ficou sabendo. Outras se perderam para todo o sempre. Que diferença faz? Para algumas notícias tolas, bobas, banais você deixou de perder o seu precioso tempo, justamente porque não as leu. No entanto, alguém logo fez questão de repassar-lhe as informações. Já o adágio de que notícia ruim chega rápido é verdadeiro. Chega depressa mesmo. Mas não tão rápido quando se está desconectado. Os “fora do face” estão mesmo um passo atrás, à margem da acelerada troca de informações da contemporaneidade. Esse fluxo incessante é bom, mas às vezes cansa.
Tempo. Quarta fase do mundo off-line. Saí do “face” e ganhei mais tempo. Tempo pra mim, tempo pra família, pra estudar, pra ler livros (daqueles com folhas de verdade, sabe?), pra ganhar mais beijos e abraços dos sobrinhos, tempo até para não fazer nada. Há quanto tempo que você, ao se ver sem fazer nada, pega logo o celular? Hoje o ócio lembra tédio, então, teclamos. Tenho sérias desconfianças de que a privação do ócio absoluto pode causar algum dano cerebral. Desde a pré-história, passando por Arquimedes e seu grito de eureka, sempre teve sua importância o ócio criativo. E esse momento de vazio da mente não se dá com o retângulo na mão... Nem no bolso, o que já gera uma expectativa implícita de alguma vibração que virá do além.
Comecei a reparar nas pessoas aquilo que antes os outros reparavam em mim: estamos vidrados no aparelho. Estamos todos loucos ou agora é normal conversar enquanto se tecla? Falar com alguém sem mirar o rosto, sem olhar nos olhos. A atenção agora é relativa. É certo dar “atenção” a um amigo enquanto se joga Candy Crush? Sua resposta certamente será de que isso agora é normal. É... Perdemos um tanto de humanidade. Estamos nos tornando andróides e nem nos damos conta. Como bem queria Steve Jobs, o iPhone se tornou uma extensão do nosso corpo. E, ó Deus, como precisamos dele! É aí que entra a quinta fase.
Nessa penúltima fase, você começa se enganar. Você não tem “face”, mas de repente aparecem na sua telinha dezenas de aplicativos divertidos, os quais você não tinha até então. Você não sentia falta de tê-los, porque o “face” já lhe ocupava o bastante. Os diversos apps não surgiram do nada no seu aparelho. Não disfarce. Foi você mesma que os baixou com seus dedinhos incontroláveis enquanto resistia à sua vontade de retornar às atividades da vidinha virtual. Você não cede à tentação, mas surgem muitas idéias publicáveis em sua mente: frases que nunca serão noticiadas; pensamentos furtivos que deveriam ser gravados para sempre na então saudosa “linha do tempo”; fotos não divulgadas; imagens de uma vida real e privada, sem compartilhamentos. Agora nada é “curtido” por quem está fora do seu quadrado. Nada mais é visto por terceiros. Tudo agora é mais fechado no seu universo particular. Você, finalmente, tem uma vida íntima, reservada. Fazem parte dela as pessoas mais queridas, as mais próximas. Foram-se os fãs, os seguidores, mas, com eles, os fofoqueiros de plantão. E agora você tem mais foco, mais tempo, mais vida real e menos carinhas brilhantes e sorridentes na tela fria. Volta a escutar o choro do amigo sem um emoticon triste correspondente, presta atenção ao lamuriar do vizinho no elevador...
O mundo ao redor parece agora mais nítido. Sabe aquelas pessoas que antes falavam enquanto você teclava? Seu pai, sua mãe, seu marido, seu filho... Suas vozes ficam mais encorpadas, ganham maior clareza. Crescem em perceptibilidade e importância. Não dividem mais a sua atenção com a tecnologia na palma da mão. Nos dias de hoje as “redes” sociais saem carregando tudo o que lhes passa na frente. Como numa pescaria em alto mar, somos cardumes capturados. Escapar não é uma opção. Sim, estamos entranhados na cultura pós-facebookeana. Mergulhar no vazio é: entrar na rede ou sair dela? Já não sabemos mais. Sem rumo. Estamos afogados nesse mar de imagens e palavras falsas ou reais e não compreendemos ainda muito bem o significado disso tudo. Um dia, quando o presente virar passado, com um certo distanciamento talvez, poderemos avaliar melhor os avatares que nos tornamos. Meio gente, meio máquina. Meio real, meio imagem do real. Meio verdadeiro, meio falso.
Eis que, na última fase, você compreende que valeu a pena se ausentar para pensar um pouco nisso tudo e revisitar a vida que você tinha antes dessa revolução sociotecnológica acontecer. Mas você descobre que não pode se afastar por muito tempo. Que os outros estranhem seu sumiço, ok. Mas o caso é que você mesma também estranha ficar por fora de tanto assunto borbulhante em tempo real. Não há razão, não há por que se manter à margem da sociedade virtualizada. Precisamos lidar com ela, já que ela existe, quer positiva ou negativa. E você faz parte dela tanto quanto ela faz parte de você. No seu dia-a-dia, quantos momentos quererá compartilhar? Depois de respirar um tempo fora desse oceano, uma coisa é certa: você toma fôlego e volta querendo compartilhar um pouco menos. Você retorna confirmando o que você sabia desde o começo: nada exagerado faz muito bem. Então, Facebook em mãos, mas, desta vez, sem vícios. Só por hoje.
Autora: Gizele Toledo de Oliveira (texto registrado/direitos autorais reservados).
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